quinta-feira, 11 de junho de 2009


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O professor e o palhaço: uma experiência de aprendizagem
Lourdes Atié
A partir da maneira como os Doutores da Alegria trabalham com as crianças hospitalizadas, a autora reflete sobre o papel dos educadores

A educação entrou na pauta do dia das agendas dos mais diversos setores do Brasil, ganhando status máximo de responsabilidade de todos. Do lugar de Geni, em que todo mundo joga pedra, entrou para o altar de salvadora do desenvolvimento do país e de saída para combater a criminalidade. Como fazer isso? Fácil, dizem os economistas: façamos avaliações. Por meio de provinhas e provões, dos primeiros anos de escolaridade aos últimos, a escola pode ser salva com muita avaliação. Enquanto isso, nas salas de aula brasileiras, caminha-se como se pode: escolas acertando o passo, muitas tentando acertar e outras que já "chutaram o balde".
Nesse cenário existe um personagem que é fundamental: o professor. Ele é peça-chave na engrenagem para que a educação dê certo, embora não seja somente dele a responsabilidade de que os alunos aprendam. Porém, antes de cobrá-lo por aquilo que acham que ele não faz, deveríamos pensar mais em como ele aprende, e isso tem sido o foco da minha trajetória profissional e da minha aprendizagem. É sua formação, seu desempenho profissional, sua vida escolar que me mobiliza.
Encontro com os professores em diversas situações do meu trabalho, mas onde estão em maior número é sempre em eventos de educação, e a constatação é sempre a mesma: eles vão lá para ouvir um guru (geralmente o especialista é homem) que, como um oráculo, traz o bálsamo para suas angústias, ou vão em busca de uma receita que possa trazer a saída para algo que têm dificuldade de resolver. Quando têm oportunidade de fazer perguntas, estas sempre giram em torno das queixas e da falta de reconhecimento.
Como sou do tipo de profissional que tem o privilégio de ter uma prática bastante diversificada, no momento estou fazendo uma consultoria pedagógica para os Doutores da Alegria. Sem precisar falar na importância desse trabalho, que é fazer crianças hospitalizadas sorrirem, eu pude concluir que professores, educadores, de modo geral, têm muito que aprender com os palhaços. Foi vendo como eles trabalham com as crianças hospitalizadas que eu refleti sobre nosso papel como educadores − reflexão que quero compartilhar com os leitores da Pátio.
Quando a dupla de palhaços chega às enfermarias, aos quartos ou até mesmo à UTI, só entra quando tem permissão da criança. Isso acontece na troca de olhares, sem precisar falar; o palhaço precisa ser autorizado. Cada criança é atendida de uma forma única, especial. Para cada uma, eles têm uma brincadeira, uma música, uma intervenção acertada, na medida. Tudo com muita gargalhada, dando leveza ao clima hospitalar. Assim eles vão levando todo dia. Cada criança é um presente; existe uma sintonia e uma profunda comunicação, utilizando diversas linguagens.
Na primeira vez em que acompanhei o trabalho deles em um hospital, fiquei pensando como conseguiam agir tão corretamente com cada criança. Imaginei muita psicologia na formação do palhaço. Muito preparo. Entretanto, eles me disseram que, embora registrem sempre cada dia e tenham supervisão do trabalho e muito estudo, o principal é que acertam porque partem do vazio. O tempo é o aqui e agora.
Como na escola, as crianças hospitalizadas não estão lá porque querem - elas têm de ir, estão presas lá. No hospital, a situação é pior, já que existe o componente dor, o que torna tudo mais complicado, mas tanto no hospital quanto na escola a criança está compulsoriamente disponível. Porém, enquanto o palhaço parte do vazio para chegar a cada criança, o professor parte do instituído. A situação na escola é o que já está estabelecido. Não há o imprevisível. Tudo é absolutamente igual, dia após dia. Imprevisíveis, só as desgraças que podem acontecer. Não é um espaço que se renova a cada dia. Não há surpresas.
Outra lição que aprendi é que, enquanto o palhaço faz do tempo o aqui e agora, o professor não vê o presente, porque este é apenas a preparação do futuro, algo que ele não sabe o que é, mas está sempre pensando que pode controlar. Ele vive para algo que virá, enquanto o palhaço está no presente, inteiro. Ele está encarnado na sua experiência, por isso pode aprender com cada dia vivido.
Para o sucesso do trabalho do palhaço, a escuta é fundamental. Sem isso, ele não poderia se comunicar com cada criança. É no exercício da escuta que ele consegue atender a uma demanda não falada da criança, o que exige extrema sensibilidade. No trabalho do professor, o fundamental é o conteúdo, aquilo que ele tem para ensinar, qualquer que seja a criança.
Quando eu perguntei para os integrantes do grupo Doutores da Alegria qual era o seu maior desafio, eles me disseram que era entrar em contato com o seu ridículo. É quando o palhaço vive seu ridículo plenamente que está preparado, de fato, para desempenhar seu ofício. No caso do professor, penso que o maior desafio é viver seu não-saber. Esse é o ridículo insuportável dele. E como é importante vivê-lo para crescer e amadurecer! Em vez de enfrentar o seu não-saber, o professor prefere os eventos de auto-ajuda pedagógica, que em nada ajudam a avançar em sua prática educativa.
Para viver o seu não-saber, é necessário que o professor saia do lugar da vivência para aprender com a experiência, que é a vivência que aporta algum tipo de transformação no sujeito que vive. Isso significa colocar-se na contramão da velocidade do tempo que estamos vivendo, que não permite tempo para experiência, mas apenas vivências, que é igual a todos, sem a dimensão individual do tempo do sujeito.
O professor tem muito que aprender com o palhaço. Com isso não quero dizer que um é melhor que o outro. Quero apenas mostrar que, no exercício de cada profissão, aprendemos melhor se conseguimos tirar o olhar do próprio umbigo. Pensando em um trabalho diferente do que fazemos, se tivermos abertura, poderemos aprender com o que temos de diferentes.
O fundamental é entender que o professor precisa ser o protagonista das suas histórias, construir sua experiência, admitindo que precisa aprender sempre e dialogar com outros sujeitos para construir sua autoria profissional. É assim que tenho aprendido ultimamente. E acredito que só assim será possível sair do lugar da falta e de não ter voz para assumir-nos como aprendizes capazes de mudar este país de não-leitores, não-aprendizes, não-cidadãos.

Lourdes Atié é socióloga e diretora do CECACE-Brasil.
lourdesatie@terra.com.br

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