sexta-feira, 12 de junho de 2009


Dar aula não é nada simples. Talvez seja a atividade mais sofisticada que a espécie humana já concebeu." A afirmação, do ministro Fernando Haddad, justifica a ênfase que o Ministério da Educação (MEC) está dando à formação de professores do Ensino Fundamental. Dos 10 bilhões de reais a mais que o MEC terá no orçamento de 2009 (na comparação com o deste ano), essa será uma área de destaque em investimento. E os cursos de Pedagogia e o Normal Superior foram considerados - ao lado dos de Medicina e Direito - prioritários numa lista de avaliações nacionais de faculdades e universidades.

Aprimorar a formação docente é uma missão complexa. Como se pode ver na pesquisa que norteia a reportagem de capa desta edição (leia mais na página 48), o curso de Pedagogia está muito distante das necessidades de quem leciona. Para aproximar o currículo do "chão da escola", deve ser criado, agora, em outubro, o Sistema Nacional de Formação do Magistério. A iniciativa prevê uma articulação entre os dirigentes municipais e estaduais e as instituições de Ensino Superior para que elas diplomem cerca de 70 mil educadores por ano. Sobre o tema, tão importante para o futuro de nossa Educação, o ministro concedeu a seguinte entrevista à NOVA ESCOLA.




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Para ler, clique nos itens abaixo:
1. O curso de Pedagogia não é focado nas práticas de ensino e nos conteúdos que devem ser ensinados às crianças. Por que? Fernando Haddad: É preciso lembrar como surgiu esse imbróglio sobre a formação dos professores de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Até algumas décadas atrás, havia apenas o Magistério de nível Médio. Com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), de 1996, houve a tentativa de definir a obrigatoriedade de ter um diploma de Ensino Superior para lecionar. Mas isso só foi resolvido em 2003, pelo Conselho Nacional de Educação. Esse período de indefinição provocou o esvaziamento do Magistério de nível Médio e, ao mesmo tempo, os Institutos Superiores de Educação não ocuparam esse espaço. Por sua vez, a Pedagogia continuou sendo um curso genérico, sem dar ênfase às práticas de sala de aula. 2. Como fazer a pedagogia dar ênfase à sala de aula? Fernando Haddad: Justamente porque o curso de Pedagogia não está preparado para formar professores, esse é o desafio do Sistema Nacional de Formação do Magistério, que pretendemos lançar ainda este mês, se possível no dia 15, Dia do Professor. Queremos que as universidades públicas federais, estaduais ou municipais se comprometam com a formação dos professores da rede pública. É preciso também que as faculdades adaptem os currículos dos cursos de Pedagogia à realidade da sala de aula. 3. Quem será responsável pela adaptação do currículo das faculdades? Fernando Haddad: A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, organismo ligado ao MEC). Nos últimos anos, ela se especializou em avaliar cursos de pós-graduação e capacitar docentes que atuam nas próprias universidades, mas a idéia é fazê-la retomar sua missão original, de formar pessoal (em nível superior) para atuar em todas as etapas, a partir da Educação Infantil. Para isso, o Ministério praticamente dobrou o orçamento da Capes, que passou a ter 1 bilhão de reais só para esse fim. 4. Como a Capes poderá convencer as universidades a modificar os currículos? Fernando Haddad: Da mesma forma como faz hoje: por indução, apontando caminhos e boas práticas. A Capes está preparada para atender à expansão das universidades federais e dos institutos federais de Educação, Ciência e Tecnologia, cuja ênfase são as licenciaturas. Por lei, cabe a ela pagar bolsas de estudo a participantes de programas de formação inicial e continuada de docentes da Educação Básica. Além disso, o Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, que avalia as licenciaturas) também funciona como indutor. Se estamos avaliando a aprendizagem das crianças e dos jovens, por meio da Prova Brasil, temos de avaliar a capacidade dos professores de ensinar o que interessa para a escola. Os graduados em Pedagogia e nas licenciaturas estão preparados para lecionar? Se as perguntas forem bem elaboradas, o Enade pode nos ajudar a responder. Até agora, a temática específica - ligada à didática e à relação ensino/aprendizagem - não era o foco, mas as provas serão reformuladas. 5. Que outros objetivos tem o Sistema Nacional de Formação? Fernando Haddad: Uma das diretrizes é estabelecer nexo entre as várias ações do MEC voltadas para a Educação Básica. Hoje ninguém é capaz de responder se existe compatibilidade entre os programas de formação inicial, as diretrizes das licenciaturas, a compra de livros didáticos, a Prova Brasil e o Enade. Nossa meta é alinhar o que está sendo ensinado e o que está sendo avaliado. 6. Isso levará à criação de um currículo fechado para a Educação Básica? Fernando Haddad: A Prova Brasil - por ser feita por escola, atribuir um conceito na escala do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e estabelecer metas - já está, indiretamente, começando a destacar pontos do currículo. As escolas sabem os conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática que são avaliados na Prova Brasil e, se quiserem fazer os alunos avançar, vão acabar se apropriando das didáticas e se pautando por essas expectativas de aprendizagem. Eu acredito nesse modelo porque muitos estudos internacionais mostram que fazer essa avaliação por escola impacta positivamente o desempenho dos estudantes – e essa melhora é observável a curto prazo. A médio e longo prazos, o que precisamos é aumentar a expectativa, elevar o teto. Investir na qualidade dos cursos superiores exige tempo. O que não podemos é ficar parados, esperando para resolver tudo no futuro. É preciso avançar no que é possível com a atual graduação. 7. O que é preciso alterar no currículo dos cursos de formação? Fernando Haddad: No caso da Pedagogia, a questão é contrabalançar melhor o espaço que ocupam disciplinas clássicas - como Sociologia, Filosofia, Psicologia e História da Educação - com as ligadas à didática. O fato é que é preciso incluir as competências básicas sobre o dia-a-dia da sala de aula, que sempre foram uma característica do curso Normal. 8. Qual é o peso da formação docente para a qualidade do ensino? Fernando Haddad: Aqui, no MEC, trabalhamos simultaneamente no atendimento de três eixos (Educação Básica, Profissional e Superior) e quatro temáticas (avaliação, gestão, financiamento e formação). E eu não tenho dúvida de que a formação é, de longe, a temática mais importante. Se ela não for trabalhada, de nada adiantam recursos, boa gestão e avaliações periódicas. Só com bons professores, vamos fazer a diferença e garantir um ensino de qualidade em nosso país. 9. Que outras ações podem ser implantadas com esse fim? Fernando Haddad: Pretendemos criar em cada estado um Fórum de Apoio à Formação do Magistério, constituído pelo secretário estadual de Educação, por representantes dos secretários municipais e pela seccional da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, mais um delegado do MEC e profissionais das instituições públicas de ensino que oferecem cursos de Pedagogia e licenciaturas. Esse fórum terá como objetivo elaborar um planejamento estratégico com metas quantitativas e qualitativas. 10. Quais seriam as metas da formação do magistério? Fernando Haddad: As metas quantitativas dizem respeito ao aumento do porcentual de professores da escola pública formados pelas universidades públicas. As metas qualitativas têm a ver justamente com a adequação do currículo do curso de Pedagogia às necessidades da escola. Se os dirigentes estaduais e municipais estiverem lado a lado com as instituições de ensino, trazendo suas demandas e dificuldades, e se conseguirmos organizar programas de formação continuada e alterar a inicial para atender às demandas das redes, vamos iniciar um processo no Brasil em que a União assume, via Capes, um protagonismo que nunca teve. 11. A União já deveria ser protagonista em Educação? Fernando Haddad: Sem dúvida. Na minha opinião, um defeito da LDB foi ter colocado preferencialmente sobre estados e municípios a responsabilidade pela formação do Magistério - e apenas supletivamente sobre a União. Não se trata de impedir estados e municípios de oferecer cursos desse tipo. Ao contrário. Contamos com as universidades estaduais e municipais no Sistema Nacional de Formação do Magistério. Porém é o governo federal que mantém a maior parte das universidades públicas do país. E essa é uma contradição inaceitável que pretendemos alterar com a nova orientação para a Capes e uma alteração na LDB - que já foi aprovada na Câmara e no Senado e está de volta à Câmara para o aval final. A formação do Magistério deve ser feita em regime de colaboração entre União, estados e municípios, numa dinâmica em que o governo federal tenha tanto peso quanto os outros dois. 12. A formação continuada está funcionando para tapar os buracos da formação inicial? Fernando Haddad: Para o MEC, o mais importante hoje é assegurar um bom desempenho dos estudantes em Matemática e em Língua Portuguesa. Como a Prova Brasil é focada nessas duas disciplinas, temos o Pró-letramento e o Gestar (Programa de Gestão da Aprendizagem Escolar), que foram moldados tendo como base os mesmos parâmetros da prova. Mas já estamos encomendando para as universidades ações em outras áreas do conhecimento, como Ciências, História etc. 13. Como fazer para a sociedade valorizar o trabalho dos professores e ver a escola como o lugar capaz de transformar o país? Fernando Haddad: Acredito que a Educação vai virar um valor social quando mais gente - não importa a área de atuação, empresário, sindicalista, intelectual - perceber que é preciso melhorar a qualidade do ensino e que esse engajamento tem impacto sobretudo na vida das famílias mais humildes. Hoje, as pesquisas realizadas com pais de alunos de escolas públicas mostram que eles estão satisfeitos com a qualidade. Precisamos conscientizá-los de que ainda há muito a avançar. Infelizmente, essa é a realidade do país, mas devemos continuar lutando para fazer com que a Educação assuma esse papel fundamental que tem para mudar a realidade da população. 14. É possível atrair os jovens mais brilhantes para a carreira docente? Fernando Haddad: Não apenas possível como também necessário. Mas isso passa por essa conscientização da sociedade. Na minha opinião, o piso salarial nacional é um passo nessa direção - um ponto de partida nada desprezível. Eu estou convencido de que até os estados mais pobres vão conseguir honrar o piso e também o artigo da lei que prevê um terço da jornada de trabalho docente para atividades extraclasse. Esse é um primeiro passo, que vai sinalizar para a juventude que a carreira do Magistério é distinta das demais por ser a única que tem um salário inicial previsto na Constituição. Falta, porém, olhar para a frente, apontar um horizonte. O jovem precisa entrar na carreira e saber aonde pode chegar. Por isso, estados, municípios e União devem entender que é preciso normatizar, em lei, a progressão na carreira. Só assim os professores poderão vislumbrar seu futuro e fazer disso um elemento motivador de sua prática. O terceiro ponto é, sem dúvida, a formação desse pessoal.

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